domingo, 31 de março de 2019

Juízo ou perdão?



“Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”. (Jo 8:7 NVI)

O texto de Jo 8:1-11 narra um dos episódios mais emocionantes encontrados nos evangelhos. E, particularmente, apenas o evangelista João o registra, talvez pela proximidade que tinha do Mestre Jesus.

A narrativa é bastante conhecida pelos leitores da Bíblia e originou um bordão que se tornou adágio: “atire a primeira pedra”. Na história, os opositores de Jesus trazem à sua presença uma mulher flagrada em adultério, questionando-o sobre o que ele pensava sobre o assunto, diante da ordenança mosaica de punir os infratores com a morte por apedrejamento.

A Lei e o pecado do adultério

“Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres.” (8:6 NVI)

Primeiramente, há que se saber o que a Lei Mosaica fala sobre o assunto. A Torá, já no famoso decálogo, proibia o pecado do adultério (Êx 20:14; Dt 5:18). Em Levítico e Deuteronômio, encontramos que tanto o homem quanto a mulher estariam sujeitos à pena de morte (Lv 20:10; Dt 22:22-24).

Os profetas também usaram a figura do adultério para ilustrar o que o Eterno pensava sobre a infidelidade do seu povo. Malaquias exortou que ninguém deveria ser infiel à mulher de sua mocidade (Ml 2:11-16). Ezequiel acusa a cidade de Jerusalém (Israel) de se comportar como uma mulher infiel ao seu esposo (Deus) (Ez 16:1-41). Oséias, por sua vez, casou-se com uma mulher adúltera, a pedido do próprio Deus, também para protestar contra a infidelidade da nação israelita (Os 1:2-9).

Em se tratando da pena por apedrejamento (também chamada lapidação), curiosamente, apenas para alguns crimes sexuais: mulher que casa sem ser virgem (Dt 22:13-21), homem com mulher prometida em casamento (Dt 22:23-27), além de blasfêmia (Lv 24:14-23), idolatria (Dt 13:1-10; 17:1-5), necromancia/bruxaria/pitonismo (adivinhação) (Lv 20:27), rebeldia aos pais (Dt 21:18-21), sacrifícios de filhos (Lv 20:2) e desrespeito ao Sábado (Nm 15:35-36), estava prevista essa condenação. Ao que parece, dada a gravidade do ato, a tradição judaica teria estendido a punição ao adultério. Outra conclusão, igualmente factível, é que essa forma de condenação de outros pecados puníveis com a morte estaria subentendida, com exceção de casos em que um homem se deita com uma mulher e sua mãe, ao mesmo tempo, que deveriam ser queimados no fogo (Lv 20:14), ou ainda a filha de um sacerdote, quando estiver se prostituindo, também deveria ser queimada (Lv 21:9).

Vale lembrar que, no Brasil, desde 29 de março de 2005, o adultério deixou de ser um ato criminoso, apesar de ainda ser objeto de ações na esfera cível.**

Um fora da Lei?

“Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério… E o senhor, que diz?” (8:4-5 NVI)

É sabido que escribas e fariseus, apesar de chamarem Jesus de Mestre, não reconheciam sua autoridade. Mesmo assim, fazem questão de questioná-lo sobre o que deveriam fazer com a mulher pega em adultério. Não é engraçado? Ora, como sendo autoridades no assunto, bastava-lhes aplicar o que a Lei determinava. Pronto.

É evidente, como o próprio evangelista conclui, que a intenção era unicamente desacreditar o Senhor (Jo 8:6). Os líderes judeus consideravam o Mestre um subversor, alguém que, apesar de se autodeclarar filho de Deus, passava por cima das ordenanças mosaicas. Esse seria o argumento deles, caso Jesus resolvesse absolver a infratora. Por outro lado, se corroborasse o mandamento, teria sua compaixão questionada.

Veja que, do ponto de vista da legalidade, os líderes judeus estavam cobertos de razão: se houve infração à Lei, era justo que a mulher fosse punida. Mas, o que dizer do infrator? Se a mulher foi flagrada em ato ilícito, o seu companheiro também deveria receber a mesma punição (Lv 20:10; Dt 22:22-24). Mais uma razão para acreditar que o que estava em jogo, definitivamente, não era a aplicação da Lei, mas colocar em xeque o Nazareno.

Atire a primeira pedra

“Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”. (8:7 NVI)

Quem era a mulher da história? O que aconteceu com ela depois desse episódio? Aqui encontramos mais um personagem anônimo. Podemos imaginar que a mesma tenha se tornado uma seguidora do Mestre, e que sua vida nunca mais tenha sido a mesma a partir de então.

O fato é que a história dessa mulher reacende uma discussão: como estamos lidando com os erros dos outros? Qual é a nossa atitude diante daqueles que infringem a Lei de Deus? Temos enveredado pelo caminho dos líderes judeus, prontos para aplicar o juízo, sob a alegação do zelo pela Palavra? Ou temos optado pela via da indulgência, como fez o Mestre?

Ao que parece, nossas motivações têm se igualado àquela dos escribas e fariseus, sem considerar que também somos infratores, o que nos desqualifica como julgadores de quem quer que seja.

Não uma vez, Jesus foi criticado exatamente pelo tratamento que dava aos ditos “infratores”, e pela amizade que tinha com os “pecadores” (Mt 9:10-13; Lc 7:34; Lc 15:1-2; Mc 2:15-17). Quando era indagado, ele era categórico: “São eles que precisam”.

Igreja: um lugar de pecadores

Qual a definição que damos à igreja? Nada obstante o corpo de Cristo seja identificado como ajuntamento de “santos”, o que caracteriza a igreja é a presença de “pecadores”, de pessoas erradas, que precisam de Deus.

Por que será que Jesus insistia em estar na companhia de pessoas assim? Porque ele acreditava nelas. É disso que precisamos: acreditar nas pessoas, acreditar que elas podem melhorar, que elas podem mudar. Esse é o papel da igreja. Não fomos colocados nesse mundo para qualificar ou desqualificar ninguém.

Que Deus nos abençoe!
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* Mensagem pregada na Igreja de Cristo Missionária – ICM, em 18/03/2018.

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