Jesus respondeu assim: - Um homem
estava descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o
assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto.
Acontece que um sacerdote estava
descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, tratou de passar
pelo outro lado da estrada.
Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada.
Mas um samaritano que estava viajando por aquele caminho chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele.[Lc 25:30-33 - NTLH]
A conhecida Parábola do Bom Samaritano pode ser considerada uma
síntese do ensino do Mestre sobre nossa atitude com relação às necessidades dos
outros. No mesmo texto, o Senhor instiga um estudioso da Lei Mosaica a
apresentar-nos os dois mandamentos que encerram toda a Lei.
Quais as três classes de indivíduos apresentados na parábola?
Você saberia caracterizá-las?
Sacerdotes:
mediadores da antiga aliança
Na alegoria narrada por Jesus, certo judeu dirigia-se de
Jerusalém a Jericó. No meio do caminho, foi abordado por salteadores, que lhe
arrancaram as roupas, bateram nele e o deixaram ensanguentado e quase morto.
Observe que, na parábola, o primeiro indivíduo passante foi um sacerdote. Na
história de Israel, os sacerdotes são a classe mais bem reputada, que gozam de
respeito e consideração do povo, na medida em que eram os responsáveis por todo
o arranjo litúrgico do culto judeu.
Por definição, a família sacerdotal teve origem no terceiro
filho de Jacó com Lia, Levi. A linhagem dos sacerdotes começou com Arão, irmão
de Moisés, a partir do comissionamento deste para que liderasse o êxodo do povo
hebreu. Arão foi, portanto, o primeiro sacerdote e sumo-sacerdote da linhagem
levítica (Êx 28:1-3). A genealogia
de Arão (Êx 6:16-20) pode ser representada
da seguinte forma:
O sacerdote tinha um papel preponderante no culto judaico. Era
ele que intercedia pelos pecados do povo, oferecendo sacrifícios ao Deus
Altíssimo.
Antes de chegar ao altar, os sacerdotes deveriam lavar mãos e
pés, como símbolo de purificação, do contrário, seriam mortos (Êx 30:17-21; Êx 40:30-32). Não poderiam ingerir nenhuma bebida inebriante antes
de entrarem no santuário (Lv 10:8-11).
Como tinham sobre si o encargo de interceder pelo povo, não seria razoável
chegarem impuros à presença de Deus. No caso do sumo-sacerdote, antes de atuar
como intercessor do povo, deveria apresentar, primeiramente, um sacrifício por
si mesmo e pela sua família (Lv 16:11).
O capítulo 21 de Levítico apresenta algumas condições para o sacerdote e o sumo-sacerdote,
dentre as quais: não poderiam tocar em cadáveres, salvo se fossem parentes
chegados (vv.2,3); no caso do sumo-sacerdote não havia exceção (v.11); não poderiam
rapar a cabeça, aparar a barba ou cortar-se (prática comum em cultos pagãos)
(v.5); não poderiam casar-se com uma prostituta, nem divorciada, mas apenas com
uma virgem ou viúva (v.7); já o sumo-sacerdote só poderia casar-se com uma
virgem (v.13); se a filha de um sacerdote viesse a tornar-se prostituta, a
mesma deveria ser queimada viva (v.9); não poderiam ter nenhum defeito físico
(vv.17-21).
Como todo levita, o sacerdote era dispensado do serviço militar
israelita (Nm 1:47-49). Apesar
disso, eram os sacerdotes que deveriam tocar as trombetas em ocasiões de guerra
ou de festividades (Nm 10:1-10).
Em se tratando do cerimonial (Tabernáculo/Templo), eram os
sacerdotes que apresentavam os sacrifícios das ofertas trazidas pelo povo (Lv 1-7); aspergiam o sangue sobre o
altar (Lv 1:5;3:2); preparavam os
animais para o sacrifício (Lv 1:1-17);
mantinham aceso o fogo do altar (Lv
6:12,13); recebiam toda oferta trazida pelo povo; cuidavam do óleo sagrado
e do incenso (Nm 4:16). Entretanto,
apenas o sumo-sacerdote poderia permanecer no Santuário quando este estivesse
fazendo expiação pelos pecados de Israel (Lv
16:17).
Aos sacerdotes cabia ainda a função de explicar as leis ao povo
(Dt 33:10), auxiliar os juízes em
decisões mais difíceis (Dt 17:8-9),
além de declarar se determinada pessoa estava (ou não) purificada de alguma
doença (Lv 13-15).
Em 1 Cr 24, Davi
instituiu o chamado turno dos sacerdotes, que era composto de 24 turnos, o que
significa que cada turno durava quinze dias.
Levitas:
oficiais da adoração
Na parábola, a segunda pessoa a passar pela vítima dos
salteadores foi um levita. Nos dias atuais, muitas comunidades cristãs
identificam os levitas com os músicos e cantores, e, quando muito, incluem
ainda os chamados ministérios de dança. Entretanto, nos tempos bíblicos,
notadamente no período veterotestamentário, os levitas eram encarregados de
toda e qualquer atividade relacionada ao serviço sagrado, desde o cuidado com
os utensílios consagrados, passando pelo transporte dos materiais usados na
armação do Tabernáculo (no período da peregrinação) e a guarda dos portões do
Tabernáculo/Templo, até o exercício da adoração, propriamente dita (Nm 3:5-8).
Como já destacado anteriormente, os levitas são descendentes
diretos de Levi, cujos três filhos (Gérson, Coate e Merari) deram origem às
três famílias encarregadas do serviço sagrado. Os gersonitas eram responsáveis pelo tabernáculo, pela tenda e sua
coberta, pelo reposteiro (ornamento que fica por cima da cortina) para a porta
da tenda da congregação, pelas cortinas do pátio, pelo reposteiro da porta do
pátio, que rodeia o tabernáculo, e as suas cordas (Nm 3:25-26). Aos coatitas
cabia o santuário como um todo, a saber: a arca, a mesa, o candelabro, os
altares, os utensílios do santuário com que ministravam, e o reposteiro (Nm 3:31). Observa-se que os coatitas
eram aqueles levitas que mais se aproximavam do trabalho sacerdotal, na medida
em que pertenciam à mesma família. Por fim, os meraritas tinham a seu cargo as tábuas do tabernáculo, as suas
travessas, as suas colunas, as suas bases, e todos os seus utensílios,
incluindo as estacas e as cordas (Nm
3:36-37).
Com base nos textos de Nm
4:3 e 8:24, entendemos que nem
todo levita poderia oficiar no tabernáculo/templo. O serviço sagrado começava
aos 25 anos. Os primeiros cinco anos constituíam um período de aprendizado para
que o levita estivesse plena e oficialmente preparado, já que a maioridade
judaica era alcançada aos 30 anos.
Samaritanos:
bastardos das promessas
Voltando à parábola, observamos que nem o sacerdote tampouco o
levita prestaram auxílio ao moribundo, o que só aconteceu quando o samaritano
passou. Muitos ainda se perguntam o que levou Jesus a incluir justamente um
samaritano no relato.
Pois bem, os samaritanos podem ser definidos como um pequeno
grupo étnico-religioso, aparentado dos judeus, que habita nas cidades de Holon,
em Israel, e Nablus, na Cisjordânia, território ocupado por Israel (de acordo
com estudo datado de 2003, a comunidade era então composta de não mais de 654
pessoas, divididas nas duas cidades. Hoje, sabe-se que a população já passa de
750 pessoas). Os samaritanos chamam-se a si mesmos de Shamerin (“os observantes” da Lei). Sua religião baseia-se única e
exclusivamente no Pentateuco, e eles rejeitam os demais livros da Bíblia
Judaica, assim como a importância religiosa de Jerusalém. Eles não possuem
rabinos e tampouco aceitam a tradição oral do povo judeu (os escritos do
Talmud).
Apesar de o Estado de Israel reconhecê-los como judeus, os
próprios samaritanos não se consideram, mas sim descendentes dos antigos
habitantes do então Reino de Israel (ou Samaria). Para os judeus ortodoxos, não
passam de descendentes de populações estrangeiras, que teriam adotado uma
versão adulterada da religião hebraica (2 Rs 17:41).
Apesar de o Pentateuco ser considerado o livro sagrado dos
samaritanos, a versão samaritana, escrita em hebraico samaritano, apresenta
algumas variações em relação ao Pentateuco judeu. A principal diferença reside
na substituição de Jerusalém pelo monte Gerizim, como local de culto. Outra
grande diferença diz respeito aos Dez Mandamentos: na versão judaica, o
primeiro mandamento é “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da
terra do Egito, da casa de servidão”; na versão samaritana, é o segundo
(“Não
terás outros deuses diante de mim”), acrescentando como décimo o
respeito pelo Monte Gerizim.
Grande parte dos cristãos concorda que os samaritanos tenham
sido descendentes de colonos gentios que os reis assírios haviam enviado para a
Palestina, depois da queda de Samaria, o que ocorreu em 721 a.C. Por causa de
seu sangue meio-gentio, além do fato de terem substituído Jerusalém pelo Monte
Gerizim como local de culto, criando uma religião paralela, eram desprezados
pelos judeus.
Sacerdotes
e levitas perdendo a vez para samaritanos
No texto de Mt 21:31-32,
lemos: “Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino
de Deus. Porque João [Batista] veio a vós outros no caminho da justiça, e não
acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém,
mesmo vendo isto, não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele”.
Considerando-se a reputação dos samaritanos no conceito dos judeus, Jesus
poderia muito bem ter substituído “publicanos e meretrizes” por “samaritanos”.
Este é o ponto da parábola.
Ao apresentar um samaritano precedendo (no sentido de tomar o
lugar) um sacerdote e um levita, o Mestre estava usando o mesmo argumento
apresentado no discurso de Mateus: os verdadeiros judeus perderam a sua
identidade.
Observe que a atitude de condescendência, já que fica
subentendido que a vítima era um judeu, era esperada da parte tanto do
sacerdote quanto do levita, e nunca do samaritano. Esse argumento é reforçado
quando lemos a declaração da mulher samaritana a Jesus, junto ao poço de Jacó,
que também foi explicada pelo evangelista: “Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim
que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)?”
(Jo 4:9).
Na visão contemporânea, sacerdotes e levitas podem ser uma
imagem da igreja, o Israel de Deus (Gl 6:16). Nesse particular, a igreja tem
cedido o seu lugar para os samaritanos
de nossos dias. Aquilo que cabia à igreja está sendo feito por terceiros, por
estrangeiros, por pessoas estranhas às promessas de Deus, por não-cristãos. O
que dizer da obra desenvolvida por ONGs humanitárias? E quanto a outras
instituições (religiosas ou não) não ligadas a nenhum movimento ou comunidade
cristã, como as espíritas e maçônicas? São estrangeiros ocupando o lugar dos verdadeiros israelitas.
Conclusão
O que se espera da igreja cristã? O que se espera das
comunidades evangélicas diante das necessidades dos outros? O mesmo que se
esperava de sacerdotes e levitas: atitude.
A igreja tem de mostrar a que veio. Tem de fazer valer o título
de Israel de Deus.
* Mensagem pregada na Igreja de Cristo Missionária - ICM, em 19/05/2013.
Referências:
* Todas as referências bíblicas citadas
foram retiradas da Bíblia On Line (www.blibliaonline.net),
versão em Português por João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada (ARA).
Principais fontes:
A Bíblia Anotada,
The Ryrie Study Bible, Charlie C. Ryrie, Mundo Cristão, 1994, p. 1290.
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