quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre sacerdotes, levitas e samaritanos

Jesus respondeu assim: - Um homem estava descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Acontece que um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, tratou de passar pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada. Mas um samaritano que estava viajando por aquele caminho chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele.[Lc 25:30-33 - NTLH]

A conhecida Parábola do Bom Samaritano pode ser considerada uma síntese do ensino do Mestre sobre nossa atitude com relação às necessidades dos outros. No mesmo texto, o Senhor instiga um estudioso da Lei Mosaica a apresentar-nos os dois mandamentos que encerram toda a Lei.
Quais as três classes de indivíduos apresentados na parábola? Você saberia caracterizá-las?
Sacerdotes: mediadores da antiga aliança
Na alegoria narrada por Jesus, certo judeu dirigia-se de Jerusalém a Jericó. No meio do caminho, foi abordado por salteadores, que lhe arrancaram as roupas, bateram nele e o deixaram ensanguentado e quase morto. Observe que, na parábola, o primeiro indivíduo passante foi um sacerdote. Na história de Israel, os sacerdotes são a classe mais bem reputada, que gozam de respeito e consideração do povo, na medida em que eram os responsáveis por todo o arranjo litúrgico do culto judeu.
Por definição, a família sacerdotal teve origem no terceiro filho de Jacó com Lia, Levi. A linhagem dos sacerdotes começou com Arão, irmão de Moisés, a partir do comissionamento deste para que liderasse o êxodo do povo hebreu. Arão foi, portanto, o primeiro sacerdote e sumo-sacerdote da linhagem levítica (Êx 28:1-3). A genealogia de Arão (Êx 6:16-20) pode ser representada da seguinte forma:


O sacerdote tinha um papel preponderante no culto judaico. Era ele que intercedia pelos pecados do povo, oferecendo sacrifícios ao Deus Altíssimo.
Antes de chegar ao altar, os sacerdotes deveriam lavar mãos e pés, como símbolo de purificação, do contrário, seriam mortos (Êx 30:17-21; Êx 40:30-32). Não poderiam ingerir nenhuma bebida inebriante antes de entrarem no santuário (Lv 10:8-11). Como tinham sobre si o encargo de interceder pelo povo, não seria razoável chegarem impuros à presença de Deus. No caso do sumo-sacerdote, antes de atuar como intercessor do povo, deveria apresentar, primeiramente, um sacrifício por si mesmo e pela sua família (Lv 16:11).
O capítulo 21 de Levítico apresenta algumas condições para o sacerdote e o sumo-sacerdote, dentre as quais: não poderiam tocar em cadáveres, salvo se fossem parentes chegados (vv.2,3); no caso do sumo-sacerdote não havia exceção (v.11); não poderiam rapar a cabeça, aparar a barba ou cortar-se (prática comum em cultos pagãos) (v.5); não poderiam casar-se com uma prostituta, nem divorciada, mas apenas com uma virgem ou viúva (v.7); já o sumo-sacerdote só poderia casar-se com uma virgem (v.13); se a filha de um sacerdote viesse a tornar-se prostituta, a mesma deveria ser queimada viva (v.9); não poderiam ter nenhum defeito físico (vv.17-21).
Como todo levita, o sacerdote era dispensado do serviço militar israelita (Nm 1:47-49). Apesar disso, eram os sacerdotes que deveriam tocar as trombetas em ocasiões de guerra ou de festividades (Nm 10:1-10).
Em se tratando do cerimonial (Tabernáculo/Templo), eram os sacerdotes que apresentavam os sacrifícios das ofertas trazidas pelo povo (Lv 1-7); aspergiam o sangue sobre o altar (Lv 1:5;3:2); preparavam os animais para o sacrifício (Lv 1:1-17); mantinham aceso o fogo do altar (Lv 6:12,13); recebiam toda oferta trazida pelo povo; cuidavam do óleo sagrado e do incenso (Nm 4:16). Entretanto, apenas o sumo-sacerdote poderia permanecer no Santuário quando este estivesse fazendo expiação pelos pecados de Israel (Lv 16:17).
Aos sacerdotes cabia ainda a função de explicar as leis ao povo (Dt 33:10), auxiliar os juízes em decisões mais difíceis (Dt 17:8-9), além de declarar se determinada pessoa estava (ou não) purificada de alguma doença (Lv 13-15).
Em 1 Cr 24, Davi instituiu o chamado turno dos sacerdotes, que era composto de 24 turnos, o que significa que cada turno durava quinze dias.
Levitas: oficiais da adoração
Na parábola, a segunda pessoa a passar pela vítima dos salteadores foi um levita. Nos dias atuais, muitas comunidades cristãs identificam os levitas com os músicos e cantores, e, quando muito, incluem ainda os chamados ministérios de dança. Entretanto, nos tempos bíblicos, notadamente no período veterotestamentário, os levitas eram encarregados de toda e qualquer atividade relacionada ao serviço sagrado, desde o cuidado com os utensílios consagrados, passando pelo transporte dos materiais usados na armação do Tabernáculo (no período da peregrinação) e a guarda dos portões do Tabernáculo/Templo, até o exercício da adoração, propriamente dita (Nm 3:5-8).
Como já destacado anteriormente, os levitas são descendentes diretos de Levi, cujos três filhos (Gérson, Coate e Merari) deram origem às três famílias encarregadas do serviço sagrado. Os gersonitas eram responsáveis pelo tabernáculo, pela tenda e sua coberta, pelo reposteiro (ornamento que fica por cima da cortina) para a porta da tenda da congregação, pelas cortinas do pátio, pelo reposteiro da porta do pátio, que rodeia o tabernáculo, e as suas cordas (Nm 3:25-26). Aos coatitas cabia o santuário como um todo, a saber: a arca, a mesa, o candelabro, os altares, os utensílios do santuário com que ministravam, e o reposteiro (Nm 3:31). Observa-se que os coatitas eram aqueles levitas que mais se aproximavam do trabalho sacerdotal, na medida em que pertenciam à mesma família. Por fim, os meraritas tinham a seu cargo as tábuas do tabernáculo, as suas travessas, as suas colunas, as suas bases, e todos os seus utensílios, incluindo as estacas e as cordas (Nm 3:36-37).
Com base nos textos de Nm 4:3 e 8:24, entendemos que nem todo levita poderia oficiar no tabernáculo/templo. O serviço sagrado começava aos 25 anos. Os primeiros cinco anos constituíam um período de aprendizado para que o levita estivesse plena e oficialmente preparado, já que a maioridade judaica era alcançada aos 30 anos.
Samaritanos: bastardos das promessas
Voltando à parábola, observamos que nem o sacerdote tampouco o levita prestaram auxílio ao moribundo, o que só aconteceu quando o samaritano passou. Muitos ainda se perguntam o que levou Jesus a incluir justamente um samaritano no relato.
Pois bem, os samaritanos podem ser definidos como um pequeno grupo étnico-religioso, aparentado dos judeus, que habita nas cidades de Holon, em Israel, e Nablus, na Cisjordânia, território ocupado por Israel (de acordo com estudo datado de 2003, a comunidade era então composta de não mais de 654 pessoas, divididas nas duas cidades. Hoje, sabe-se que a população já passa de 750 pessoas). Os samaritanos chamam-se a si mesmos de Shamerin (“os observantes” da Lei). Sua religião baseia-se única e exclusivamente no Pentateuco, e eles rejeitam os demais livros da Bíblia Judaica, assim como a importância religiosa de Jerusalém. Eles não possuem rabinos e tampouco aceitam a tradição oral do povo judeu (os escritos do Talmud).
Apesar de o Estado de Israel reconhecê-los como judeus, os próprios samaritanos não se consideram, mas sim descendentes dos antigos habitantes do então Reino de Israel (ou Samaria). Para os judeus ortodoxos, não passam de descendentes de populações estrangeiras, que teriam adotado uma versão adulterada da religião hebraica (2 Rs 17:41).
Apesar de o Pentateuco ser considerado o livro sagrado dos samaritanos, a versão samaritana, escrita em hebraico samaritano, apresenta algumas variações em relação ao Pentateuco judeu. A principal diferença reside na substituição de Jerusalém pelo monte Gerizim, como local de culto. Outra grande diferença diz respeito aos Dez Mandamentos: na versão judaica, o primeiro mandamento é “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa de servidão”; na versão samaritana, é o segundo (“Não terás outros deuses diante de mim”), acrescentando como décimo o respeito pelo Monte Gerizim.
Grande parte dos cristãos concorda que os samaritanos tenham sido descendentes de colonos gentios que os reis assírios haviam enviado para a Palestina, depois da queda de Samaria, o que ocorreu em 721 a.C. Por causa de seu sangue meio-gentio, além do fato de terem substituído Jerusalém pelo Monte Gerizim como local de culto, criando uma religião paralela, eram desprezados pelos judeus.
Sacerdotes e levitas perdendo a vez para samaritanos
No texto de Mt 21:31-32, lemos: “Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João [Batista] veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto, não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele”. Considerando-se a reputação dos samaritanos no conceito dos judeus, Jesus poderia muito bem ter substituído “publicanos e meretrizes” por “samaritanos”. Este é o ponto da parábola.
Ao apresentar um samaritano precedendo (no sentido de tomar o lugar) um sacerdote e um levita, o Mestre estava usando o mesmo argumento apresentado no discurso de Mateus: os verdadeiros judeus perderam a sua identidade.
Observe que a atitude de condescendência, já que fica subentendido que a vítima era um judeu, era esperada da parte tanto do sacerdote quanto do levita, e nunca do samaritano. Esse argumento é reforçado quando lemos a declaração da mulher samaritana a Jesus, junto ao poço de Jacó, que também foi explicada pelo evangelista: “Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)?” (Jo 4:9).
Na visão contemporânea, sacerdotes e levitas podem ser uma imagem da igreja, o Israel de Deus (Gl 6:16). Nesse particular, a igreja tem cedido o seu lugar para os samaritanos de nossos dias. Aquilo que cabia à igreja está sendo feito por terceiros, por estrangeiros, por pessoas estranhas às promessas de Deus, por não-cristãos. O que dizer da obra desenvolvida por ONGs humanitárias? E quanto a outras instituições (religiosas ou não) não ligadas a nenhum movimento ou comunidade cristã, como as espíritas e maçônicas? São estrangeiros ocupando o lugar dos verdadeiros israelitas.
Conclusão
O que se espera da igreja cristã? O que se espera das comunidades evangélicas diante das necessidades dos outros? O mesmo que se esperava de sacerdotes e levitas: atitude.
A igreja tem de mostrar a que veio. Tem de fazer valer o título de Israel de Deus.
* Mensagem pregada na Igreja de Cristo Missionária - ICM, em 19/05/2013.
Referências:
* Todas as referências bíblicas citadas foram retiradas da Bíblia On Line (www.blibliaonline.net), versão em Português por João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada (ARA).
Principais fontes:
A Bíblia Anotada, The Ryrie Study Bible, Charlie C. Ryrie, Mundo Cristão, 1994, p. 1290.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Powered By Blogger

Postagens populares

Seguidores do O Mensageiro

Pesquisar este blog

Translate

Notícias - O Verbo